Estamos em Havana, cidade que necessita do espaço público mais do que qualquer outro lugar que conheço. Casas apertadas, pessoas na rua. Antônio Maceo, herói da luta de independência cubana ergue sua espada montado num cavalo de bronze no meio da praça. Uma grade cerca toda a praça. Apenas uma única porta permanece aberta durante o dia. Aquela era a primeira e única praça cercada do Malecón.
Entrevisto alguns cubanos. "Por qué la plaza está cerrada?", perguntava. Várias vezes me via separado dos entrevistados pela própria grade da praça. Uma película entre o entrevistador e o entrevistado, entre dentro e fora, entre o estrangeiro e o cubano. Era engraçado. Chegava sozinho com a câmera na mão, fazendo um pergunta estranha, num sotaque estranho. Tudo meio improvisado como é regra em Cuba. Aliás vale dizer que eu parecia muito com cubano na minha bermuda surrada e parda pele. Vale dizer também que tinha apenas meia hora por dia para fazer minhas investidas. Era o tempo qu durava minha pobre bateria.
Tinha um especial interesse pelos agentes (espécie de guardas municipais que faziam a vigilância do Maceo). Controle estava em quase todas as respostas. 
Mas isso era um prelúdio para um algo maior. Um corte. Uma intervenção. Lembrei de uma ação que já tinha feito em uma quadra esportiva em São Paulo: criar uma abertura circular na grade. Algo como um aparição. Uma intenção estética de fuga. Um círculo perfeito na grade. "Cuba não tem 12 milhões de habitantes, tem 12 milhões de informantes", me alertaram amigos cubanos do falso Departamento de Intervenciones Públicas. De fato, vigilância braba. Dificilmente seria possível abrir uma grande fenda na grade sem ser visto pelos agentes ou pelos passantes. 
Inverto a ação: fechar em vez de abrir. Trancar os agentes dentro da praça. Vou atras de candau e cadena... Paralemente, sigo fazendo entrevistas com as pessoas que usam o parque e principalmente com os guardas do parque.
Um dia antes da apresentação do trabalho na Bienal, acordo as cinco da manhã. Preparo as correntes, documentos e o espírito. Desco à noite, já não tão calada. Pessoas caminham sonâmbulas pelas ruas. Os becos que me levam para a praça. Tento intuir se este é o momento certo, a ação acerta, a coragem ou a estupidez necessária. Cansado, estou um pouco cansado disto tudo. Mas agora vamos terminar. Sozinho novamente sinto mais do que a sua falta. Ajeito-me num ponto de ônibus e espero a oportunidade. Os agentes passam mais uma vez em frente ao portão na sua ronda noturna. É agora. Com a câmera na mão vou até o portão principal. A porta está apenas encostada. Fingo amarrar o sapato. Passo a corrente e prendo o cadeado. O sangue pulsa frio. Ninguém me viu? Sigo para os outros dois portões. Tranco-os.
Respiro já sentado no ponto do ônibus distante. Super nightshot e um imenso zoom gravam quando os agentes se descobrem presos. Amanhecia. O que parece ser o chefe consegue passar e volta com um facão. Eles vão arrebentar a corrente com um facão. Facão de cana. Golpes ressoam repetidamente. Muitas vezes até romper a cadena. Estão soltos! Saem. Procuram os responsáveis. Valculham o horizonte a meia-luz. Voltam, entram e fecham o portão novamente.
Esta história foi contada em imagens e sons. Ainda ressoam o quarteto de cordas e as percussões de Santeria. Entre todos, no último ato, a música dos mortos: Sean santíssimo. Sean santíssimo. Madre Mia de la caridad. Ayudanos. Amparanos en nombre de Dios.